segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Nas entranhas da Terra

* Este tema foi sugerido pela simpática amiga Nilza Pelá *

Ainda hoje existe muita dúvida a respeito da habitação dos espíritos que povoam a Terra juntamente conosco, espíritos encarnados. Provavelmente, esta dúvida também perseguiu Kardec durante a fase inicial do desenvolvimento das idéias espíritas.

Em ambas as edições recebemos a informação de que os espíritos estão por toda a parte e interagem conosco sem cessar. Mas eles ocupam um lugar definido? Ou eles têm uma ocupação definida?

Percorrendo as linhas nas duas edições encontramos detalhes relativamente diferentes. E estas merecem ser ressaltadas para compreendermos aspectos ou critérios que nortearam o trabalho do mestre Kardec.

Observem no mapeamento abaixo (também reproduzido e comentado em Infinito de Deus) a retirada da forma específica de onde os espíritos poderiam habitar:

Primeira edição
46. Os espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço universal?
"Não, estão por toda a parte."
__ Acham-se em torno de nós, ao nosso lado?
"Sim, e vos observam."
Os espíritos não habitam um lugar certo; estão por toda parte, o universo é seu domínio; povoam infinitamente os espaços infinitos. Acham-se em torno de nós, ao nosso lado, assim como nas regiões mais distantes e até nas entranhas da Terra.

Segunda edição
87. Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço?
"Os Espíritos estão por toda a parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Estão sempre ao vosso lado, observando e agindo sobre vós sem o perceberdes, porque os Espíritos são uma das forças da Natureza e instrumentos de que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados."

Em outro momento, na segunda edição, Kardec demonstra o desejo de esclarecer a questão. Em sua compilação de diálogos sobre a ação dos espíritos nos fenômenos da natureza ele coloca uma importante indagação no diálogo abaixo:

Segunda edição
537. A mitologia dos antigos é inteiramente fundada sobre as idéias espíritas, com a diferença de que olhavam os Espíritos como divindades. Ora, eles nos representam esses deuses, ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim alguns estavam encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir a vegetação, etc. Esta crença é destituída de fundamento?
"Ela é tão pouco destituída de fundamento, que está ainda bem abaixo da verdade.
__ Pela mesma razão, poderia então haver Espíritos habitando o interior da Terra e presidindo seus fenômenos geológicos?
"Esses Espíritos não habitam positivamente a Terra, mas presidem e dirigem segundo suas atribuições. Um dia, tereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor."(Ver Nota)

Em primeiro lugar observa-se que Kardec tenta fugir do misticismo que muito sabiamente acreditava que poderia comprometer a nascente filosofia espírita. Por outro lado, ele não descarta completamente a possibilidade de que algum espírito habite de alguma forma o interior da Terra. E isto pode ser observado pelo advérbio empregado "positivamente" e pela colocação de que a explicação exata ainda não pode ser dada.

De qualquer forma, há uma mudança significativa em relação a forma com que é apresentado o ensinamento. Na primeira edição há uma objetividade que restringe o entendimento a uma única possibilidade de interpretação. Já na segunda percebemos um leque maior de possibilidades com suas probabilidades relativas.

E é com esta relatividade da segunda edição que compreendemos que não há propriamente espíritos habitando as entranhas da Terra ainda que possam estar por lá circunstancialmente atuando em determinado fenômeno da natureza.

Por exemplo, uma destas circustâncias pode ser observada durante a explicação das classes de espíritos de terceira ordem ou espíritos imperfeitos de acordo com a nova edição:

Segunda edição
106. Sexta classe. ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES. - Estes espíritos não formam, propriamente falando, uma classe distinta pelas suas qualidades pessoais, podendo pertencer a todas as classes da terceira ordem. Manifestam, frequentemente, sua presença por meio de efeitos sensíveis e físicos, tais como pancadas, o movimento e o deslocamento anormal dos corpos sólidos, a agitação do ar, etc. Parecem, mais que os outros, agarrados à matéria, e serem os agentes principais das perturbações dos elementos do globo, quer atuem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros, ou nas entranhas da terra. Reconhece-se que esses fenômenos não são devidos a uma causa fortuita e física, quando têm um caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir esses fenômenos, mas os Espíritos elevados os deixam, em geral, como atribuições dos Espíritos subalternos, mais aptos às coisas materiais do que às coisas inteligentes. Quando julgam que as manifestações desse gênero são úteis, servem-se desses Espíritos como seus auxiliares.

Assim, Kardec não rompe definitivamente com o que estava escrito anteriormente, mas se baseia na gradualidade da forma dos textos assim como se orienta na gradualidade do conteúdo dos ensinamentos espíritas. (Ver Nota)

Nota:
As mudanças identificadas, neste artigo, entre a primeira e segunda edição d'O Livro dos Espiritos estão fundamentadas no diálogo desenvolvido com o Espírito Fr. Arago na Sociedade de Paris em 22 de julho de 1859, e publicado na Revista Espirita de setembro de 1859, no artigo "As Tempestades - Papel dos Espíritos nos Fenômenos Naturais". Observe que a transposição para a segunda edição é literal:
Pergunta 5: Ces Esprits qui habitent l'intérieur de la terre, et président aux phénomènes géologiques, sont-ils dún ordere inférireur?
R. Ces Esprits n'habitent pas positivement la terre, mais ils président et dirigent; ils sont d'un ordre tout différent.

Ao mapearmos o diálogo do Fr. Arago, publicado na Revista Espírita, e a segunda edição d'O Livro dos Espíritos (tabela abaixo) encontramos grande correspondência, apesar das habituais fusões e ajustes textuais para adequação aos diferentes contextos das duas obras. Pequenas diferenças interpretativas podem ser concluídas devido os ajustes feitos nas imprecisas respostas a respeito de qual categoria espiritual pertencem os Espíritos que influenciam os fenômenos naturais.


Papel dos Espíritos nos Fenômenos Naturais
Mapeamento O Livro dos Espíritos x Revista Espírita 1859

PERGUNTAS
RESPOSTAS
O Livro dos Espíritos: 536-b
Revista Espírita
Segunda parte da pergunta 2
(excluiu introdução que se referia a comunicação de outro Espírito)
Primeira parte da reposta 2
(excluiu a explicação sobre as limitações de compreensão do outro Espírito)
O Livro dos Espíritos: 537
Revista Espírita
Pergunta 3
(acrescentou “mitologia dos antigos” onde era apenas “mitologia”)
Resposta 3
O Livro dos Espíritos: 537-a
Revista Espírita
Segunda parte da pergunta 4
(excluiu introdução que se referia às respostas obtidas de outros Espíritos, possivelmente publicadas na primeira edição de O Livro dos Espíritos. Acrescentou outra introdução “pela mesma razão poderia então haver”).
Primeira parte da resposta 5
(excluiu “são de uma ordem completamente diversa”)
Resposta 4 modificada
(de “não tardareis muito a ter explicação de tudo isso” passou para “um dia tereis a explicação de todos esses fatos e os compreendereis melhor”)
O Livro dos Espíritos: 538
Revista Espírita
Primeira pergunta é modificação da 5
(trocou “de ordem inferior” por “categoria a parte”)
Segunda pergunta é modificação da 6
(acrescentou “serão seres especiais”)
Primeira parte da resposta 6
(excluiu a despedida “dir-vos-ei mais a respeito, dentro de pouco tempo, se o quiserdes”)

Um comentário:

Priscila disse...

Bom texto! Boa pesquisa.