terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Infinito de Deus

Existem conceitos que são bastante difíceis de serem explicados por palavras, sobretudo quando eles são mais abstratos. É o que acontece com Infinito e Deus que mereceram destaque logo nos primeiros diálogos em ambas as edições do Livro dos Espíritos.

Basicamente não há muitas diferenças entre as edições, mas pequenas e interessantes observações podem ser formuladas. Vamos a elas!

Definição ao lado
A primeira observação a ser feita está também na primeira pergunta do Livro: "Que é Deus?". Tanto a pergunta como a resposta são exatamente as mesmas em ambas as edições, porém há um detalhe curioso na primeira edição. Do básico do básico já sabemos que a primeira parte 'Doutrina Espírita' foi dividida em duas colunas sendo que a primeira seria reservada para as perguntas (de Kardec) e respostas (dos espíritos) e a segunda para os comentários (de Kardec).

Especialmente neste primeiro diálogo Kardec não obedece a regra por ele mesmo estipulada e coloca na primeira coluna a seguinte observação entre parênteses: "definição ao lado". E ao lado, na segunda coluna, e sem aspas ele escreve a famosa definição espírita sobre Deus: "inteligência suprema e causa primária de todas as coisas".

Seria muito precipitado apontar conclusivamente as causas desta pequena curiosidade. Mas uma das hipóteses a serem consideradas é a de que esta definição seria uma das bases pré-estabelecidas para a construção da filosofia espírita e que também pode ter surgido posteriormente pela sua compreensão conjunta. Isto é, aparenta ser algo processado e construído ao longo dos estudos dedicados do mestre Kardec durante a elaboração do Livro.

Podemos, todavia, levantar ainda outras três hipóteses: a de erro editorial, a de ajuste gráfico, ou a de ausência de comentário. A primeira não se sustenta por estar logo na primeira página e por existir explicitamente a expressão "definição ao lado". A segunda é mais razoável porque existe ainda mais um diálogo, o de número 53, apresentando a mesma curiosidade. Por outro lado, como está numa página de início de capítulo o ajuste gráfico seria muito fácil de se obter.

A terceira também é pouco provável porque Kardec escreveu comentários em muitos outros diálogos dizendo as mesmas coisas e apenas mudando algumas palavras. Aliás, o propósito dos comentários era exatamente este como o próprio Kardec observou nas suas notas após o Prolegômenos:

"A primeira coluna contém as perguntas formuladas e as respostas textuais. A segunda encerra o enunciado da doutrina sob forma fluente. São ambas, propriamente falando, duas redações ou duas formas diferentes do mesmo tema: Uma tem a vantagem de mostrar de certa sorte a feição das entrevistas espíritas; outra a de permitir uma leitura sequente."

Deus é o infinito?
Duas perguntas na segunda edição, nos diálogos 2 e 3, tratam sobre o infinito e estão mapeadas no diálogo 7 da primeira edição. É interessante observar que a ordem destas duas perguntas estão invertidas. E isto se deve provavelmente a organização metódica da obra uma vez que é mais didático perguntar primeiro sobre o infinito e só depois perguntar se Deus é o infinito. Vejam:

Primeira edição
7. Alguns filósofos dizem que Deus é o infinito; até mesmo espíritos O têm assim designado. Que se deve pensar desta explicação?
"Definição incompleta. Pobreza da linguagem dos homens, que é insuficiente para definir as coisas que estão acima de sua inteligência."
__ Que se deve entender por infinito?
"O que não tem começo e nem fim."
Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é o infinito é tomar o atributo pela própria coisa, e definir uma coisa que não é conhecida, por uma coisa que que também não o é. É assim que, procurando penetrar o que não é dado à sua inteligência conhecer, o homem se mete em beco sem saída e abre a porta a ociosas discussões.

Segunda edição
2. Que se deve entender por infinito?
"O que não tem começo e nem fim; o desconhecido; tudo o que é desconhecido é infinito."
3. Poder-se-ia dizer que Deus é o infinito?
"Definição incompleta. Pobreza da linguagem dos homens, que é insuficiente para definir as coisas que estão acima de sua inteligência."
Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é o infinito é tomar o atributo pela própria coisa, e definir uma coisa que não é conhecida, por uma coisa que que também não o é.

Ainda sobre estas duas perguntas há duas outras observações a fazer. Kardec complementa a resposta sobre o infinito afirmando que ele também pode ser compreendido como o desconhecido. Parece que aqui Kardec tenta reforçar a idéia de que há uma certa limitação na compreensão de alguns conceitos. E esta conclusão também apoia-se na última frase dos comentários na primeira edição e que foi removida na segunda.

Também podemos observar uma diferença na formulação da pergunta sobre se Deus é o infinito. Na primeira edição há uma afirmação importante, a de que esta comparação teria sido feita por filósofos e pelos próprios espíritos. Por exemplo, no diálogo 923 da segunda edição encontramos a palavra 'infinito' empregada no lugar de 'Deus'.

Desta observação podemos perceber como foi importante o papel de Kardec na discussão, na seleção e na síntese das idéias transmitidas pelos espíritos e observadas pela sabedoria dos filósofos.

A intuição de Deus
No mapeamento entre os diálogos 3 da primeira edição e os diálogos 5 e 6 da segunda podemos destacar uma complementação na resposta que a princípio não modifica a idéia principal. Vejam:

Primeira edição
3. Que conseqüência se pode tirar do sentimento intuitivo que todos os homens carregam em si mesmos da existência de Deus?
"Que Deus existe."
__ O sentimento íntimo, que temos em nós mesmos, da existência de Deus, não seria resultado da educação e produto de idéias adquiridas?
"Se assim fosse, por que os vossos selvagens teriam esse sentimento?"
Deus pôs em nós mesmos a prova de sua existência pelo sentimento instintivo que se acha entre todos os povos, em todos os séculos e em todos os graus da escala social.
Se o sentimento da existência de um ser supremo não fosse senão o produto de um ensinamento, ele não seria universal e não existiria, como as noções de ciência, senão naqueles que teriam podido receber esse ensinamento.

Segunda edição
5. Que conseqüência se pode tirar do sentimento intuitivo que todos os homens carregam em si mesmos da existência de Deus?
"Que Deus existe; porque de onde lhe viria esse sentimento se isto não foi baseado em alguma coisa? É ainda uma consequência do princípio de que não há efeito sem causa."

6. O sentimento íntimo, que temos em nós mesmos, da existência de Deus, não seria resultado da educação e produto de idéias adquiridas?
"Se assim fosse, por que os vossos selvagens teriam esse sentimento?"
Se o sentimento da existência de um ser supremo não fosse senão o produto de um ensinamento, ele não seria universal e não existiria, como as noções de ciência, senão naqueles que teriam podido receber esse ensinamento.

A resposta "Que Deus existe", de fato, é muito breve e mereceu na segunda edição uma complementação que reforça ainda mais a idéia de que "não há efeito sem causa". E apenas para registrar Kardec removeu a primeira parte de seus comentários cuja idéia já constava implicitamente na própria pergunta formulada. Aparentemente, esta remoção trata-se de uma questão de estilo.

Espaços infinitos
O mapeamento entre o diálogo 46 da primeira edição e o diálogo 87 da segunda é interessante porque nos traz dois exemplos de reformulação já discutidos em outros tópicos. Vejam:

Primeira edição
46. Os espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço universal?
"Não, estão por toda a parte."
__ Acham-se em torno de nós, ao nosso lado?
"Sim, e vos observam."
Os espíritos não habitam um lugar certo; estão por toda parte, o universo é seu domínio; povoam infinitamente os espaços infinitos. Acham-se em torno de nós, ao nosso lado, assim como nas regiões mais distantes e até nas entranhas da Terra.

Segunda edição
87. Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço?
"Os Espíritos estão por toda a parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Estão sempre ao vosso lado, observando e agindo sobre vós sem o perceberdes, porque os Espíritos são uma das forças da Natureza e instrumentos de que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados."

O primeiro exemplo de reformulação é relacionado a fusão de respostas da primeira edição para a segunda. E o segundo exemplo é o de aproveitamento de um comentário na primeira edição na resposta da segunda edição. Isto é, a frase "povoam infinitamente os espaços infinitos" saiu dos comentários para fazer parte da resposta.

Ainda em relação a este mapeamento vale destacar que a resposta da segunda edição é mais completa e abrangente na medida em que faz uma ressalva de que "há regiões interditas aos menos adiantados".

Ver a Deus
A compreensão dos conceitos de infinito e de Deus pode variar bastante e normalmente usamos diferentes formas para indicá-los. É assim quando usamos alguns verbos, como, por exemplo: sentir, entender, ver, aproximar. E na pergunta se os espíritos vêem Deus há uma sutil alteração na resposta de uma edição para outra. Vejam:

Primeira edição
483. Todos os espíritos vêem a Deus?
"Todos vêem o infinito, mas só os espíritos perfeitos podem aproximar-se de Deus."
__ Que é que impede os espíritos imperfeitos de se aproximarem de Deus?
"Sua impureza."

Segunda edição
244. Os Espíritos vêem a Deus?
"Só os Espíritos superiores o vêem e o compreendem; Os Espíritos inferiores o sentem e o adivinham."
__ Quando um Espírito ... ?
__ A ordem é transmitida ... ?

Na primeira edição somente os espíritos perfeitos poderiam aproximar-se de Deus, e, ao mesmo tempo, todos poderiam ver o infinito. Já na segunda edição a resposta não veio tão radical, isto é, os espíritos superiores poderiam ver e compreender Deus além de aceitar a possibilidade de que os espíritos inferiores o sintam.

Um comentário:

Anônimo disse...

É louvável o esforço em tentar dar algum sentido às contradições e malabarismos retóricos do Kardec. Mas assim foi e provavelmente será com todos que necessitam de dar um sentido às suas crenças religiosas.